Sintaxe Espacial e A Análise Angular de Segmentos, Parte 2: Modelando um Mapa Sintático

Na parte 1 sobre a Análise Angular de Segmentos, mostrou-se o que é o método, sua diferença para a análise axial e as principais medidas utilizadas. Nesse segundo post, será mostrado como modelar um mapa sintático.

Durante a época do mestrado, em que tive o contato pela primeira vez com a teoria, uma das maiores dificuldades encontradas para aprender a utilizar a Sintaxe Espacial foi a modelagem do mapa axial. Eu não havia encontrado muito material que explicasse os procedimentos de criação a fundo. Apesar de ter encontrado fundamentais informações em Hillier e Hanson (1984), Medeiros (2013), Saboya (2007) e Holanda (2012), as especificidades das cidades traz à luz diversas situações em que há divergência sobre como representar o espaço urbano na Sintaxe Espacial. Dessa forma, apesar de o post ser a sequência sobre a Análise Angular de Segmentos, os escritos também visam ajudar aqueles que estão iniciando seus estudos na Sintaxe Espacial, e facilitar a laborosa tarefa de modelar um mapa axial/ segmento.

A criação do modelo configuracional é uma das etapas mais importantes na Sintaxe Espacial. É a partir deste modelo que são processadas e especializadas as medidas sintáticas, e relacionadas com o fenômeno urbano estudado. Portanto, uma boa modelagem dará à pesquisa dados mais consistentes.

A criação do mapa sintático é, a priori, simples: é importante, iniciamente, especificar as diretrizes do mapa axial, indicando o que são as barreiras e permeabilidades do espaço urbano estudado.

Permeabilidades: são todos os espaços passíveis de movimento humano na cidade: ruas, largos, vielas, rodovias, etc.

O que geralmente são barreiras: quarteirões, corpos hídricos, vegetação densa, paredes de concreto ou guard rails de rodovias, praças e parques

O que geralmente não são barreiras: rotatórias, canteiros centrais (exceto em rodovias), praças cívicas.

Caso esteja trabalhando com uma base que permita traçar os caminhos internos de praças e parques, será interessante incluí-los. No entanto, se não tiver como garantir a precisão dessa informação, esses caminhos podem ser desconsiderados.

A lógica para interpretar as barreiras e permeabilidade é entender a lógica de movimentação das pessoas: pessoas se movem em linhas. Logo, uma rotatória, por exemplo, é o encontro de vários eixos, mesmo que o movimento veicular seja circular, mas a lógica é linear.

Há uma tendência que os mapas sintáticos sejam traçados quase que totalmente sobre o sistema viário. No entanto, praças cívicas (“secas”) ou qualquer outro elemento urbano em que o pesquisador não entenda como uma barreira ao movimento, podem ser considerados permeabilidades.

Entendendo onde devem e não devem ser modelados os mapas síntaticos, agora é hora de escolher qual modelo criar. O post vai mostrar três tipos de modelos configuracionais que podem ser feitos para a Análise Angular de Segmento, e em que tipos de softwares podem ser utilizados:

Mapa Axial (Google Earth, CAD, SIG)

Modelagem mais clássica da Sintaxe Espacial, foi criada para a análise axial (a mais tradicional na Teoria), e que também é compatível com a Análise de Segmentos.

O mapa axial, de acordo com Hillier e Hanson (1984), é representado pelo menor conjunto das maiores linhas retas que podem atravessar um espaço livre. Nesse caso, o mapa axial torna-se uma abstração das conexões do espaço urbano. As linhas não são obrigatoriamente traçadas ortogonalmente ao espaço, bem como o encontro destas linhas também não possui um ponto comum. Ruas curvas não representadas aqui pela sinuosidade real: são representadas também com uma linha reta, a maior que possa ser traçada, exceto que o ângulo da rua não o permita.

Dica: sempre deixar o final de cada linha estendendo para além do encontro com outra linha. Isso garante que as linhas estarão devidamente conectadas. Não se preocupe se os encontros das linhas parecerem estranhos (como no caso abaixo), pois faz parte do método de modelagem.

Independente do programa que utilizar para a modelagem, uma dica legal é sempre nomear o arquivo com a forma de modelagem, o nome da cidade/sistema urbano e, caso seja possível, a data da base. Mantenha também um arquivo bloco de notas, com as informações do modelo, sobre tipo de mapa, elaboração, data de elaboração, data da base utilizada, software utilizado, etc. Ex.: axial_itaporanga_2014.kml

No Google Earth, é possível mapear as barreiras espaciais para facilitar depois a modelagem das linhas axiais, que pode ser importado em softwares SIG e prover mais informações sobre a forma urbana do objeto estudado.

post2_axial

Modelagem de Mapa axial na cidade de Itaporanga/PB.
Elaboração: Alexandre Castro (2016).

Em algum software CAD (Draftsight, por exemplo), é possível utilizar a base cartográfica da cidade. Cria-se um layer (pode chama-lo de axial, por exemplo) e nele são traçadas as linhas axiais. No final, exporta-se apenas este layer para um novo arquivo em formato dxf.

cad_ss

Modelagem de mapa axial em software CAD.
Elaboração: Alexandre Castro (2016).

Em softwares SIG (como o QGIS, por exemplo), pode-se importar uma base cartográfica (quadras, lotes, etc.) e depois criar um arquivo shape para traçar as linhas axiais.

gis_ss

Modelagem de um mapa axial no QGIS.
Elaboração: Alexandre Castro (2016).

Road Centre Lines (RCL) Simplificado (SIG, CAD)

O uso de Road Centre Lines (RCL) foi proposto inicialmente por Turner (2005; 2007), na resolução das dificuldades com o uso de mapas axiais em Análises de Segmento, além de ser um modelo amplamente utilizado na engenharia de tráfego e que, em geral, órgãos públicos possuem.

Um RCL normal leva em consideração a pista (leito carroçável), o que pode gerar ruas com linhas duplas, em caso de ruas com canteiro central. Assim, simplifica-se o modelo, considerando a caixa viária total (exceto em casos de barreiras ao movimento humano). Nesse caso modelar um RCL permitirá ao pesquisador trabalhar com dados mais precisos que um mapa axial.

É necessário utilizar um software que tenha ferramentas de precisão de nós, como softwares CAD e SIG. O software DepthmapX é sensível ao encontro dos segmentos: a junção correta é entre nós, e não entre um nó e um segmento, como na imagem abaixo. Caso isso ocorra, pode ser que o programa não identifique a conexão, alterando os resultados.

rcl_simplificado

Esquema da modelagem de segmentos.
Elaboração: Alexandre Castro (2016).

No caso do RCL simplificado, as linhas vão seguindo a angulação das ruas, fazendo com que a geometria do modelo seja mais próxima do real (não esquecendo que, ainda assim, o RCL é uma abstração do espaço, e deve seguir os princípios de modelagem citados no começo do post).

No QGIS, é possível utilizar o plugin Open Layers Plugin para utilizar uma imagem do Google Earth para traçar o RCL simplificado nele. É uma forma de modelar bastante interessante, visto que, dependendo da cidade, pode-se não encontrar bases vetoriais em CAD ou Shape, e o uso de imagens de satélite pode suprir essa carência.

gis_ss2

Modelagem de RCL no softeare QGIS, utilizando o Open Layers Plugin.
Elaboração: Alexandre Castro (2016).

 No caso de utilizar softwares CAD, o processo é o mesmo do mapa axial: cria-se um layer para o RCL e modela-se a base conectando nó com nó (pode ser que seja mais trabalhoso editar nós no CAD do que em SIG).

RCL_CAD

Modelagem de RCL em software CAD.
Elaboração: Alexandre Castro (2016).

Uso da base vetorial do OpenStreet Map (SIG)

O uso dos dados do OpenStreet Map (OSM) para análises sintáticas foi proposto por Dhanani et al (2012) como uma forma mais ágil de se obter um mapa sintático.

O OpenStreet Map é uma plataforma de Informações Geográficas Voluntárias (VGI), que permite o mapeamento colaborativo e de livre acesso. Qualquer tipo de informação esapcial pode ser adicionada à plataforma, desde sistema viário à lotes, entre outros.

As versões mais atuais do QGIS já vem com um plugin para importar dados do OSM diretamente para ele, o que pode ser um processo mais rápido para modelar um mapa sintático.

Segue abaixo um mini tutorial e capturas de tela para entender o procedimento de modelagem com OSM (Entende-se aqui que o leitor já tenha algum conhecimento do QGIS):

– Importar uma base vetorial limitando a área de estudo (arquivo shape de limite municipal, por exemplo).

osm_01

– Clicar em “Vetor”/ “OpenStreetMap”/ “Baixar Dado”;

osm_02

– Escolher o local onde vai salvar o arquivo de extensão .osm

osm_03

-Após baixar, abrir uma nova camada vetorial. Em tipo de arquivo, deixar selecionado “todos os arquivos”. Vá ao local onde baixou o arquivo .osm e importe-o;

-O QGIS vai perguntar que tipo de dado quer importar, uma vez que o OSM possui vários formatos (polígono, linhas, pontos, etc). Selecione “lines”;

osm_05

-Deve aparecer os dados na tela. A base vem com diversas informações, desde sistema viário até hidrografia.

osm_06

-Agora é necessário limpar do arquivo as linhas que não são necessárias. No atributo “Highway”, deixar apenas as linhas que apresentem os seguintes registros:

osm_07

– Selecionar as feições filtradas e salvar como um arquivo dxf.

 A modelagem do OSM é mais rápida que as outras formas, principalmente em sistemas urbanos mais complexos. No entanto, a principal desvantagem do OSM é a confiabilidade da modelagem, uma vez que é um projeto colaborativo, onde qualquer pessoa pode editar as informações. Nesse aspecto, alguns problemas são bastante comuns:

  • Excesso de detalhamento do sistema viário: por se tratar de uma RCL, a modelagem do sistema viário leva em consideração o movimento dos automóveis. Assim, os eixos traçados representam o leito carroçável, e não o sistema viário como um todo. Caso a pesquisa se baseie no movimento dos automóveis, não é considerado um problema. No entanto, o excesso de informações vetoriais pode distorcer os resultados.
  • Bases para cidades brasileiras desatualizadas: A pesquisa de Dhanani et al (2012) verificou a confiabilidade do OSM para criar mapas de segmentos. No entanto, a pesquisa foi feita para a cidade de Londres, onde os dados foram modelados com qualidade suficiente para usar na Sintaxe Espacial. No Brasil, poucas cidades possuem dados do OpenStreet Map, e algumas delas incompletos. Cabe ao pesquisador averiguar a confiabilidade dos dados na cidade estudada antes de utiliza-los.

Qual a melhor forma de modelar?

O melhor modelo a ser empregado vai depender do nível de conhecimento de ferramentas do pesquisador. O RCL Simplificado seria a forma mais precisa das três apresentadas, mas requer conhecimento em uso de SIG. O mapa axial pode ser feito numa quantidade maior de programas, e a base do OSM é a mais rápida de ser feita.

Referências:

DHANANI, A; VAUGHAN, L.; ELLUL, C.; GRIFFITHS, S. From The Axial Line to The Walked Line: Evaluating The Utility of Commercial and User-Generated Street Network Datasets In Space Syntax Analysis. Proceedings of 8th Space Syntax Symposium, Santiago, 2012.

HILLIER, B.; HANSON, J. The Social Logic of Space. Cambridge: University Press, 1984.

HOLANDA, F. Ordem & Desordem: Arquitetura e Vida Social. Brasília: FRBH, 2012.

MEDEIROS, V.A.S. Urbis Brasiliae: O Labirinto das Cidades Brasileiras. Brasília: Editora UnB, 2013.

SABOYA, R. Sintaxe Espacial. Urbanidades, 2007. Disponível em: http://urbanidades.arq.br/2007/09/sintaxe-espacial/. Acessado em 13/06/2016.

Autor: Alexandre Castro

Arquiteto e Urbanista, Mestre em Engenharia Urbana e Ambiental, Doutorando em Arquitetura e Urbanismo (UFRN). Entusiasta por cidades, pessoas e mapas. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1135510231721299

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