No início do Século XXI, a Teoria da Sintaxe Espacial passou por uma série de revisões metodológicas, com a criação de novas ferramentas de análises espaciais. Nesse post serão apresentados os principais conceitos e aplicações de duas dessas novas metodologias: as Isovistas e a Análise de Grafos de Visibilidade.
As análises de Isovistas e Grafos de Visibilidade foram introduzidos na Sintaxe Espacial por Turner et al. (2001) como uma alternativa metodológica para investigar as relações configuracionais da arquitetura. Enquanto que as análises axial e de segmentos tem como foco a acessibilidade linear, as Isovistas e Grafos de Visibilidade calculam métricas referentes aos campos visuais, abrindo um leque maior de possibilidade de análises espaciais.
De acordo com Al-Sayed et al. (2014), Os dois métodos tratam das propriedades visuais da forma arquitetônica e urbana, ou seja, da intervisibilidade entre cada conjunto de pontos de um local. Esta representação mais refinada que as demais na Sintaxe Espacial é importante para abordar questões relacionadas à cognição espacial. A compreensão da percepção visual do ambiente construído pode ajudar a entender ou prever como a acessibilidade do espaço pode gerar potenciais de movimento.
Abaixo serão descritas as duas ferramentas de análise visual:
Isovistas
A Isovista pode ser definida, de acorco com Benedikt (1979), como uma área no ambiente construído diretamente visível a partir de um determinado ponto. Por se tratar de um espaço ligado por um polígono fechado, possui propriedades geométricas, como área e perímetro. Dessa forma, a análise da configuração espacial deixa de ser linear (apenas comprimento) e passa a ser de superfície (largura e comprimento).
Esta mudança de análise é importante, pois na análise axial e de segmentos existem propriedades espaciais que não são levadas em consideração, como a largura das vias e o campo visual possível.
As Isovistas podem ser classificadas de acordo com o ângulo do campo visual. Cada tipo de isovista pode capturar diferentes propriedades visuais, podendo ser trabalhadas de forma separada ou em conjunto:
- Isovista Total: quando o ângulo do campo visual é de 360°;
- Isovista Parcial: quando o ângulo pode ser de 90°, 120° e/ou 180°.
Além disso, Turner et al. (2001) afirma que, apesar de os campos visuais serem tradicionalmente feitos a partir da altura dos olhos, o grafo de visibilidade pode ser formado a qualquer altura acima do chão.
Em seu tutorial do Depthmap 4, Turner (2004), propõe dois tipos de campos visuais:
- Isovistas na Altura dos Olhos (Eye-Sovists): isovistas que consideram apenas as barreiras ao campo de visão, como quarteirões, Edifícios, etc.
- Isovistas na Altura dos Joelhos (Knee-Sovists): isovistas que consideram barreiras ao movimento. Nesse caso, mesmo que haja uma barreira que possa ser visualizada através dela (canteiros, corpos d’água, mobiliário urbano, etc.), estes são representados como um obstáculo ao campo visual.
A modelagem pode ser feita em softwares CAD, SIG ou no Google Earth (veja o tutorial sobre mapas temáticos no Google Earth Pro para mais informações). Ambos os tipos de Isovistas são importantes para a análise espacial. A escolha de um tipo ou outro (ou o uso de ambos) vai depender do propósito de estudo.
Isovista Total da Praça da Independência, na cidade de João Pessoa, Paraíba, Brasil. As Barreiras, nessa figura, representam barreiras ao nível dos olhos, e os espaços em branco representam o campo visual possível a partir do ponto vermelho.
Análise de Grafos de Visibilidade (VGA)
A Análise de Grafos de Visibilidade (Visibility Graph Analysis – VGA, em inglês) é um método que permite analisar os potenciais de visibilidade de pontos no espaço aberto ou de um conjunto de espaços abertos (locais com permeabilidade visual). Diferente da Isovista, que é uma análise a partir de um ponto, as relações visuais no VGA são interpartes, ou seja, um espaço em relação ao outro (entre todos os pontos do espaço estudado).
De acordo com Al-Sayed et al. (2014), a ideia do VGA era de reproduzir uma representação espacial semelhante à exposta por Hillier e Hanson (1984). Assim, Turner et al. (2001) elaboraram um grafo que conecta todos os pontos visíveis entre si, no qual cada ponto é é um nó e a intervisibilidade (a visibilidade entre esses pontos) é a condição para haver a ligação de um nó para o outro. Em outras palavras, a visualização mútua entre pontos no espaço é a condição para se criar um grafo de visibilidade.
Exemplo de Grafo de Intervisibilidade
Medidas
As relações visuais entre os nós no grafo podem ser obtidas usando diferentes medidas no DepthmapX:
- Conectividade: medida básica na Sintaxe Espacial como um todo, a conectividade, no VGA, mede a quantidade de nós que se intervisualizam, ou seja, que se conectam visualmente de forma direta. Espaços mais amplos, onde convergem vários campos visuais, tendem a ser espaços com alta conectividade visual.
Conectividade da Praça da Independência, em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cores mais quentes representam espaços mais conectados, e cores mais frias representam espaços menos conectados.
- Integração: Umas das principais medidas sintáticas, é uma métrica de grafo global que calcula o comprimento médio do caminho mais curto para todos os nós no grafo. Este caminho mais curto refere-se ao menor número de passos ou etapas que precisam ser percorridos para se deslocar de um nó para outro, enquanto que o comprimento médio do caminho mais curto é o valor médio de todos os comprimentos de caminho mais curtos de um nó para todos os outros.
Integração da Praça da Independência, em João Pessoa, Paraíba, Brasil. Cores mais quentes revelam espaços mais integrados, enquanto que cores mais frias representam espaços mais segregados.
- First Point Movement: de acordo com Al-Sayed et al. (2014), a medida se refere ao somatório das distâncias de um ponto para todos os outros pontos visíveis a partir dele. Aproxima-se, no sentido do somatório das distâncias, do conceito da Profundidade Total (Total Depth), porém não contabiliza todos os pontos do grafo, somente os visíveis a partir do ponto de geração da soma. Este somatório de distâncias possui alta correlação com as demais medidas: no caso da figura abaixo, a correlação entre First Point Movement e Conectividade foi de 82%, e com Integração foi de 75%.
Mapa de First Point Movement. Cores mais quentes indicam um somatório maior de distâncias (profundidade) daquele ponto para todos os outros visíveis a partir dele.
Aplicações
As análises sintáticas de visibilidade podem ser empregadas tanto para espaços arquitetônicos quanto para espaços urbanos. Dentre as possíveis linhas de trabalho que podem ser feitas com suporte de Isovistas e VGA, pode-se citar algumas:
- Vitalidade de espaços públicos;
- Segurança;
- Copresença;
- Relações morfologia e uso do solo;
- Fluxo de pessoas;
- Quantidade e qualidade de atividades sociais;
- Simulações de projetos de arquitetura e urbanismo.
Referências:
AL-SAYEd, K.; TURNER, A.; HILLIER, B.; IIDA, S.; Penn, A. Space Syntax Methodology. 4th Edition. London: Bartlett School of Architecture, Univeristy College London, 2014.
BENEDIKT, M.L. To Take Hold of Space: Isovists and Isovist Fields. Environment and Planning B, v.6, p. 47-65, 1979.
HILLIER, B.; HANSON, J. The Social Logic of Space. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.
TURNER, A. Depthmap 4: A Researcher’s Handbook. London: Bartlett School of Graduate Studies, University College London, 2004.
TURNER, A.; DOXA, M.; O’SULLIVAN, D.; PENN, A. From Isovists to Visibility Graphs: A Methodology for the Analysis of Architectural Space”. Environment and Planning B, n.28, v.1, p.103–121, 2001.
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