Este post traz uma breve explanação sobre o conceito de pedalabilidade e suas principais características.
A pedalabilidade (também chamada de ciclabilidade) é um conceito derivado do inglês (bikeability ou Cyclability), que está relacionado ao potencial de deslocamento por bicicleta nas cidades, em como o ambiente urbano apresenta aspectos que favoreçam (ou não) a ciclomobilidade.
No entanto, autores como Grigore et al. (2019) defendem que não há um consenso sobre as definições de pedalabilidade, nem de como ela pode ser mensurada. Portanto, os critérios de avaliação do potencial de ciclomobilidade variam de acordo com os autores. Estes critérios podem ser físicos, sociais, econômicos, culturais e comportamentais.
Abaixo, são listados alguns dos indicadores e variáveis mais frequentes em índices e estudos de pedalabilidade. Note que estão não é uma lista definitiva: nem todos os indicadores serão mostrados, dada a diversidade encontrada nos índices existentes:
1. Presença de infraestrutura cicloviária
Também chamadas de “cicloestruturas”, compreendem todos os elementos viários destinados ao uso dos ciclistas (ciclovias, ciclofaixas, paraciclos, bicicletários, dentre outros). As infraestruturas cicloviárias são fortes atratores de novos ciclistas, por possibilitarem uma viagem mais segura para os usuários. Quanto maior for a quantidade e qualidade das cicloestruturas, maior será o potencial de pedalabilidade do sistema viário.
No caso dos espaços de circulação (ciclovias, ciclofaixas etc.), há uma maior continuidade nos percursos com facilidade de deslocamento por bicicleta. Infraestruturas como paraciclos e bicicletários são atratores por possibilitarem espaços destinados ao estacionamento correto e seguro das bicicletas, visto que muitos destinos não contemplam este tipo de equipamentos. Estes fatos são reforçados pelos dados da pesquisa realizada pelo Transporte Ativo e LABMOB (2022), onde 55,6% dos entrevistados afirmaram que usariam mais a bicicleta se houvesse uma melhor infraestrutura cicloviária.
No entanto, há de se lembrar que, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, toda e qualquer via urbana, onde não houver uma indicação de proibição, é ciclável. Portanto, qualquer pessoa pode andar de bicicleta em qualquer rua da cidade (desde que não haja alguma indicação de proibição), mesmo sem haver infraestrutura cicloviária.

Foto: Markus Spiske (2020) | Unsplash.
2. Tempo de Viagem
O tempo de viagem se refere à duração do percurso, entre o ponto de origem e o ponto de destino. Este é um importante fator para o uso da bicicleta enquanto meio de transporte. Segundo dados do Transporte Ativo e LABMOB (2022), 35,4% das pessoas utilizam a bicicleta porque são rápidas e práticas. Além disso, 75,4% dos entrevistados afirmaram utilizar a bicicleta como meio de transporte para o trabalho – portanto, quanto mais curta for a viagem, melhor.
Uma das principais referências para medir o tempo de uma viagem é a velocidade média da bicicleta. De acordo com a Prefeitura Municipal de Campina Grande (2014), uma pessoa que usa bicicleta enquanto meio de transporte, pedala, em média, a 15 km/h, o que daria um deslocamento de 1250 metros a cada 5 minutos de viagem.
De acordo com Souza e Kawamoto (2015), o tempo de viagem depende de diversos fatores, a exemplo da estrutura espacial das cidades; presença de cicloestruturas e o tempo de espera/ travessia de cruzamentos. Pode-se citar também outros fatores que interferem na duração da viagem, como a topografia (visto que trajetos com aclives acentuados tendem a ser vencidos numa velocidade menor – e, por consequência, num tempo maior) e as condições meteorológicas (em dias de chuva, o ciclista pedala mais devagar ou faz mais paradas em busca de abrigo).
Também não há um consenso sobre a velocidade média do ciclista, que pode variar de acordo com vários fatores, a exemplo da diferença antropométrica do brasileiro para pessoas de outros países e a configuração espacial da malha viária urbana. Prova disso são os dados apresentados por Dufaux, Labarthe e Laliberté (2013), que afirmam que, em uma viagem de 5 minutos, um ciclista se desloca 800 metros. Para a realidade das cidades brasileiras, a velocidade aproximada de 15 km/h parece ser a mais precisa e adequada.
McNeil (2011) afirma que alcançar diferentes destinos em até 20 minutos de bicicleta é um parâmetro para indicar o grau de acessibilidade por bicicleta de um determinado local ou cidade.

Elaboração: Alexandre Castro (2022).
3. Topografia
A topografia é um elemento determinante para a ciclomobilidade. Aclives com inclinação alta são mais difíceis de serem vencidos, pois necessitam de um maior esforço para pedalar (principalmente para bicicletas de carga ou que não possuem marchas).
Os valores de referência variam de acordo com os cadernos técnicos de cada país, região ou cidade. No caso do Brasil, a Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes (2001), indica, para a construção rampas, uma declividade ideal de 5% e máxima de 10%, caso o desnível seja de 2 metros; no caso de desníveis de 4 metros, a declividade ideal é de 2,5% e a máxima de 5%; no cenário com desnível de 6 metros, aceita-se uma declividade de 1,7% como ideal e 3,3% como a máxima.
Na realidade internacional, o Transport for London (2016) adota uma declividade ideal de 3% e máxima de 5%. Nos Países Baixos, de acordo com o Ministerie van I&W en Rijkswaterstaat (2020), a declividade máxima de cicloestruturas em Amsterdã passou de 4% em 2013 para 2,5% em 2017.
Apesar dos parâmetros, deve-se levar em conta a realidade local e a necessidade do uso da bicicleta, bem como as opções de trajeto – são fatores que podem fazer com que o ciclista adote um percurso com topografia menos favorável. Para o Ministério das Cidades (BRASIL, 2007, p.62):
(…) a simples configuração topográfica de uma cidade não determina, automaticamente, a sua viabilidade para o ciclismo. A tendência natural é o desenvolvimento do sistema viário em direções que suavizem a declividade da rampa, adotando um traçado de “meia-encosta”. Dessa forma, somente sítios urbanos muito acidentados tornam o uso da bicicleta inviável.
BRASIL, 2007, p.62
A topografia pode ser mensurada e representada de diferentes maneiras: a partir de um perfil de elevação no Google Earth Pro, num perfil de elevação no QGIS ou a partir de mapas temáticos, como mostrado abaixo.

Elaboração: Alexandre Castro (2022).
4. Segurança Viária
Esta variável está relacionada ao quanto que um ciclista se sente seguro para andar de bicicleta, no que diz respeito à segurança viária. A sensação de segurança é um aspecto amplo e subjetivo, e pode ser abordado a partir de diferentes critérios, como os descritos por Souza e Kawamoto (2015):
- Interação com outros modos de transporte motorizado: está relacionado ao nível de conflitos pelo uso do espaço viário com o automóvel ou outros transportes motorizados, que ocupam a maior parte da via;
- Sinalização horizontal e vertical: além da sinalização, também envolve a presença de espaço viário segregado e destinado à circulação de bicicletas (ciclovias e/ou ciclofaixas)
A segurança viária é um dos fatores mais importantes para o planejamento cicloviário. De acordo com dados do Registro Nacional de Acidentes e Estatísticas de Trânsito, entre 2018 e 2022, foram registrados 68.778 acidentes envolvendo bicicletas e 2.778 óbitos. Além de cicloestrutura, é importante que a sinalização viária, horizontal e vertical, seja presente e de qualidade. Há casos, como na figura abaixo, onde há semáforos destinados ciclistas.

Foto: Chris Downer (2011) | Wikimedia Commons.
5. Risco de Roubo e Furto
Esta variável está relacionada ao quanto que o ciclista se sente seguro ao usar a bicicleta, em relação ao medo ou grau de exposição a roubos e furtos. Para a realidade brasileira, este fator ganha relevância, principalmente nos grandes centros urbanos. Quanto maior for a frequência de roubes e furtos a ciclistas, menos as pessoas estarão dispostas usar a bicicleta como meio de transporte.
Jacobs (2011) e Gehl (2013) defendem que a vitalidade urbana e a movimentação de pessoas são aspectos que influenciam na segurança percebida e real, a partir do aumento do uso e apropriação de espaços livres públicos, como na foto abaixo. Planejar a cidade promovendo um melhor uso dos espaços livres públicos, associado a políticas de segurança, favorecerá uma maior segurança para os usuários de bicicleta – o que atrairá um público maior a adotar a ciclomobilidade como opção de transporte.

Foto: Noralí (2020) | Unplash.
6. Conforto
O conforto se refere à sensação de bem-estar ou de comodidade ao pedalar, e pode se dividir em outras variáveis:
- Capacidade física: está relacionada ao biotipo do usuário de bicicleta, idade, preparo físico
- Sombreamento: em países com clima quente, como o Brasil, a possibilidade de realizar o trajeto com sombreamento pode ser um fator determinante no uso da bicicleta. A densidade arbórea de uma rua, sombra projetada das edificações ou estruturas artificiais (toldos, cobertas etc.) são elementos qualificadores do conforto para pedalar;
- Largura de ciclovias e ciclofaixas: cicloestruturas estreitas passam uma sensação maior de desconforto, visto que aumenta a possibilidade de conflito com outros modos de transporte; por outro lado, ciclovias e ciclofaixas mais largas, passam uma sensação maior de liberdade e conforto e segurança para pedalar;
- Qualidade e tipo da pavimentação: pisos irregulares, desgastados ou com buracos tornam o ato de pedalar menos confortável e, portanto, são evitados pelos ciclistas.

Fonte:Zhuo Cheng you (2020) | Unplash.
7. Configuração Espacial
A Configuração espacial está relacionada ao potencial de movimento da malha viária. Hillier et al. (1993) afirmam que a malha viária, por só, é um gerador de movimento. Portanto, o arranjo das ruas pode facilitar ou dificultar a navegação e orientação no sistema viário. Este potencial de movimento se traduz em acessibilidade espacial, que pode ser mensurada por diferentes medidas.
A configuração pode se dividir em diversos aspectos, dentre os quais se destacam os seguintes:
- Conectividade viária: se refere ao quão conectadas as vias são entre si. Pode-se considerar a conectividade do eixo viário como um todo ou dos segmentos (estes na escala do quarteirão);
- Comprimento viário: se refere ao comprimento dos eixos viários ou de seus segmentos (estes na escala do quarteirão);
- Linearidade e continuidade: se refere ao quão retilíneo é o percurso. Pode ser medido a partir de medidas de centralidade de proximidade e atravessamento. Trajetos mais lineares e contínuos atravessam a malha urbana mais diretamente, facilitando o alcance de diferentes pontos da cidade;
- Densidade de cruzamentos ou segmentos: é a quantidade de nós ou de segmentos viários em uma determinada área. Quanto maior a densidade de cruzamentos ou de segmentos viários, maior a possibilidade de trajetos para o ciclista.
Estas medidas podem ser obtidas a partir da Sintaxe Espacial e da Análise Angular de Segmentos. A imagem abaixo mostra a acessibilidade espacial em escala urbana, ou seja, a facilidade de alcançar ou atravessar um ponto da cidade para outro.

Elaboração: Alexandre Castro (2022).
Para vocês, que outros indicadores e variáveis são importantes para a pedalabilidade? Você pode contribuir com a discussão nos comentários!
Referências:
GEHL, J. Cidades para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013.
JACOBS, J. Morte e Vida das Grandes Cidades. 3ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.
TRANSPORT FOR LONDON. London Cycling Design Standards. London: Transport for London, 2016.